"Por quê?"



"Por quê?" - Não faça desta pergunta uma arma, a vítima pode ser você!

13 de ago. de 2010

Voz

Dentre as grandes doenças das almas urbanas, a que considero mais grave é o não saber ouvir. Dar ao outro o direito de voz é fundamental para um mundo mais humano e saudável. O que vejo hoje é um reino dividido entre seres com urgência de falar e seres que insistem em não ouvir. E esses seres se revezam em seus papéis intermitentes.

Talvez ouvir não seja mesmo uma tarefa simples, porque envolve elementos outros além de um simples ouvido. Quem se nega a ouvir o outro, na maioria das vezes, se nega também a ouvir a si próprio. E aquele que precisa falar acaba sendo um estorvo porque, ao tentar se expressar, impõe a seu interlocutor o risco de ouvir justamente os ecos de suas próprias profundezas, ecos que muitas vezes o ouvinte não quer escutar e dos quais vive a fugir.

O mundo está doente por falta de expressão. E a expressão depende do outro, de sua compreensão, ou mesmo de sua incompreensão, mas sobretudo do seu contato e calor. Negar o direito de voz a alguém é impedir esse alguém de se representar, de dizer "eu existo". E isto consiste, de certa forma, numa espécie de eutanásia existencial. É um pequeno crime por omissão, com que chega com uma série de atenuantes pouco convincentes: falta de tempo, de paciência, de disposição, oportunidade, sossego etc. É, precisa de tudo isso sim, tempo, paciência, disposição e muito mais. Mas, sobretudo, precisa que ambas as partes estejam ali inteiras, guardando algum respeito pelo ser humano e sua importância.

Nem sempre é um psicanalista ou um representante religioso o depositário certo das nossas manifestações. Ser ouvido por esses atendentes oficiais e oficiosos não envolve troca. Aquele que traz em si a urgência da voz não precisa apenas de um ouvido, precisa também saber que quem o ouve tem um coração, e que o sentido da vida está na permuta e na compreensão das experiências humanas.