"Por quê?"



"Por quê?" - Não faça desta pergunta uma arma, a vítima pode ser você!

13 de ago. de 2010

O coração, este insano

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Não, não discuta com esse louco. Sim, louco, porque tudo o que não se submete aos desígnios da razão é assim classificado. E, na briga entre os dois, o corpo e a alma adoecem. Vivo de duelar comigo mesma para calar a voz desse insano, para não deixar que comande meus movimentos. Mas tentar calá-lo com o pensamento lúcido, com argumentos lógicos e empíricos, pode custar tão caro quanto deixá-lo gritar ensandecido. Paga-se o preço da imobilidade. Razão e coração em litígio resultam na imobilização da vida como consequência. E ninguém, de sã consciência, pretende deter a vida; no máximo, algumas dores que ela produz. Só que, na tentativa de impedir a repetição de dores já processadas pela memória, ou seja, pela razão, acabamos interferindo na verdade dos sentidos.

"O coração tem razões que a própria razão desconhece" - Mentira, Blaise Pascal! Ele não tem razão alguma. É um descerebrado. Ele tem, sim, vontades e o mistério de sua linguagem própria, de seus caminhos próprios, que nenhuma gramática decifrará, que nenhuma cartografia reproduzirá, que nenhum manual de boa conduta dentro das previsíveis ordenações psicossociais explicará. O que se pode esperar de um elemento cuja função, no sentido restrito, é bombear sangue e fazê-lo circular por todo um organismo, e, no sentido lato, produzir vida a partir dos mais inusitados desejos, suprimir a noção do tempo, do espaço e do ridículo? É um louco, doido varrido. Um desprocessador de princípios, por natureza.

Por essas e outras, o melhor é parar de brigar com ele. Mas, por outro lado, não hei de lhe dar plenos poderes. Ah, isso não! Porque o demente, em suas distrações e encantamentos, pode nos conduzir a abismos sem volta. Proponho-me à mais difícil das tarefas: conciliá-lo com a razão. Deixar que ambos caminhem de mãos dadas e sem atritos. Se conseguir algum êxito nesta árdua façanha, terei comigo o equilíbrio necessário para garantir alguma paz, sem sacrificar o melhor da vida: senti-la em plenitude.

Ficamos assim: se o "louco" começar a provocar emoções destrutivas, a razão, agora mais humilde, entra em cena para negociar uma forma de preservar a própria vida que o coração produz e garantir algum bem-estar interior. E o coração, por sua vez, empresta à razão crítica um pouco mais de delicadeza e sensibilidade, de modo a não deixá-la esterilizar de todo as mágicas e a capacidade de se surpreender e se emocionar.

Mas discutir com ele, não. Bobagem, perda de tempo. Fazê-lo adormecer na marra, pura ilusão, pois o doido varrido despertará subitamente à primeira distração, quando menos se espera ("Sentir é estar distraído" - quanta sabedoria em Fernando Pessoa!). Entrar em guerra com ele é, no mínimo, preparar o caminho das depressões e da amargura, porquanto se aprisiona a vida, e isso não fica nada bem na fita. Deixá-lo falar, mas sem que precise berrar. Só uns gritinhos de vez em quando. Deixá-lo se manifestar, assim como quem canta uma canção suave. O ruídos dos desassossegos só acontecem quando razão e coração insistem em falar, simultaneamente e em idiomas completamente distintos, sobre o mesmo objeto. Se a razão, teórica e pedante, disser "Não vá por aí, que, segundo o pensamento lógico, há chances se machucar", o coração deve responder: "Vou porque a vida me chama, mas quero contar com sua ajuda, se precisar voltar."

Creio que assim fica mais fácil. Teoricamente, teoricamente... Afinal, há quem diga que "a vida tem sempre razão". Tem?