"Por quê?"



"Por quê?" - Não faça desta pergunta uma arma, a vítima pode ser você!

13 de ago. de 2010

Receita para manter o encantamento

Esta não é uma receita que deva ser racionalizada; ao contrário, é preciso recorrer à percepção, justamente para não quebrar o encanto. Não é uma tarefa fácil, nem há garantias de 100% de êxito. Mas, em alguns casos, pode funcionar. Então voilà!

Receita:

1 - Evitar nomear, pelo menos em definitivo, sentimentos ou sensações. Sempre acreditei que 'dar nome aos bois' não é uma boa medida, pois aprisiona e categoriza. Deixemos fluir o que não se nomeia. Quanto menos nomes, mais poder. À lixeira com o vernáculo, neste caso!

2 - Cada dia é um dia diferente. Olhar situações de modo sequencial pode criar expectativas exageradas. Expectativas geram ansiedades e a necessidade de querer sempre mais. Isso é por demais inquietante. Evolução não é algo necessariamente linear. Cada dia é um dia e todos os dias são diferentes. Perguntem só ao sol ou à lua.

3 - Não se repetir em demasia. Eu, particularmente, acho profundamente entediante o "Samba de uma Nota Só". Variar o tom é bom. Mudar os assuntos, o humor, o olhar, o tipo de música, as nuances. O ser humano é infinitamente rico e guarda dentro de si todas as cores da paleta, e essa plenitude de cor é capaz de pintar milhares de telas diferentes. E ainda: um pouco de sensibilidade para saber quando é a hora de mudar tons e tonalidades.

4 - Ter uma agenda imaginária. Melhor do que fazer é imaginar, planejar o fazer. Alguns projetos podem ser exequíveis, outros nem tanto. O importante é ter uma agenda lotada de possiblidades, que foram geradas no seio da imaginação, nas vertentes de um desejo aberto (imediato ou não).

5 - Oscilar entre o cômico e o sério, na medida certa. Isto é arte para poucos, exige percepção, conhecimento de si, do outro e do momento em questão. Alcançar a dosagem ideal entre esses dois extremos pode produzir um fluxo de comunicação não só delicioso como profundo. O riso é algo muito sério. Dores e reflexões também. E todos levam a uma espécie de cumplicidade tácita.

6 - Nada de excessos. Excessos assustam e se gastam rápido. E aí entram todos os tipos de excessos: carinho demais pode ser piegas, silêncio demais pode parecer descaso, carência demais (pelo menos na forma explícita) nos transforma em sumaríssimos chatos, erudição demais pode dar sono, brincadeira demais pode denotar inconsistência, agressividade demais afasta, críticas e elogios exaustivos também - até porque ninguém é totalmente bom ou ruim o tempo todo.

7 - Sem cobranças. Cobrar é o que há de pior no comportamento humano. Cobrar o quê? Nada que não chegue pelas vias do desejo livre tem valor.

8 - Esquecer o tempo. Não importa quanto tempo se passou desde a última vez que vimos outro, não importa quantos anos, meses, semanas, dias, horas, ficamos ou ficaremos distantes de quem queremos bem. Importa é que a afinidade seja sempre retomada do ponto onde parou. E isto é válido apenas para almas afins. Só com a supressão do tempo é possível imortalizar um sentimento.

9 - Saber usar as entrelinhas (e as linhas também). Saber ler e falar nas entrelinhas é um jogo excitante, sublime, e ainda exige alguma inteligência e arte. Porém, por tratar-se de mensagens cifradas muito intimistas, há momentos em que devemos recorrer à clareza das linhas. As linhas, com todas as letras e pingos, também têm seu valor e seu poder de impacto. Tudo é uma questão de momento. Além disso, nas entrelinhas, haverá sempre o risco da interpretação indevida. É preciso tomar cuidado.

10 - Nunca banalizar. Nada é banal quando nos relacionamos com alguém importante. Tudo faz sentido. Tudo oferece um sentido. Até o mais minúsculo dos detalhes. Uma espinha no rosto, uma gota de chuva, a intensidade da luz, a temperatura, objetos fora de lugar, um band-aid no dedo, até mesmo a cor da latinha de um refrigerante. Na verdade, nas relações mais consistentes, são os detalhes que ditam o ritmo - e geralmente assumem proporções gigantescas.

***

Poderia continuar a citar mais uma meia dúzia de ações (ou não ações), mas penso que esses dez passos já estão de bom tamanho. E, agora que cheguei ao fim, já começo a me arrepender de tê-los colocado aqui, e ainda no pobre formato de um manual. Por que me arrependo? Porque o grande barato é adivinhar segredos, intuir possibilidades. Assim, penitencio-me e volto ao passo nr. 1: Evitar Nomear. O encantamento é mágico. E magias não se definem...

Nota: não há neste texto qualquer pretensão ao monopólio da verdade, tudo é produto de minha ótica e vivência pessoal.