"Por quê?"



"Por quê?" - Não faça desta pergunta uma arma, a vítima pode ser você!

13 de ago. de 2010

O verdadeiro encontro não se reencontra


Anos se passaram desde que eles resolveram contar a história do maior amor do mundo. A cada página escrita, iam dando origem a um terceiro ser, único e indissociável. Um terceiro ser que foi criado para além deles. E, por terem se amado além do que o amor é capaz, esgotaram todas as possibilidades do real. Os corpos separaram-se ao final de dois anos - era o preço a pagar pela imortalidade. Além disso, já não precisavam mais de corpos. Estes foram exaustivamente utilizados como instrumento necessário à construção do amor maior e cumpriram bem seus papéis. Não há tragédia nessa história. E as dores ocasionais foram tão suaves que as lembranças delas hoje chegam a sorrir.

Anos se passaram... Pouco se viram, depois do desvio dos caminhos, da divisão das águas. Ele buscaria outras histórias, ela não buscaria mais nada, para não correr o risco de se contaminar. Voltaram a se encontrar um dia, num restaurante qualquer, onde em cada mesa uma história se fazia contar - certamente histórias banais, com início-meio-e-fim, regadas a vinho ou cerveja, muito diferentes da deles. Não estavam ali contando, fazendo ou refazendo uma história. Nem sequer poderiam dizer que aquilo era um reencontro, pois que reencontro é "encontrar de novo", e eles nunca se desencontraram. Havia o terceiro ser, único, atemporal e indissolúvel.

Conversavam normalmente como se o tempo não houvesse avançado. Se não estivessem ali, um diante do outro, depois de tantos anos, nada mudaria. Nada mudaria porque moravam um no outro, sem necessidade de presença física, e porque o terceiro ser, resultado da força de uma convergência amorosa interestelar do passado, desconhece tempo e distância. Não que não houvesse prazer nesse encontro. Havia, sim, muito prazer. Mas um prazer que era velho conhecido deles, sem novos acessórios. Sem precisar se enfeitar.

E, como acontece nas histórias banais, não sairiam dali da mesa para a cama, independente de desejos. Histórias como essas não se repetem. E tentar repeti-las com o corpo é o mesmo que assinar o atestado de óbito do seu encantamento. Tampouco se despediriam com a nostalgia de quem cultua pretéritos ou com a expectativa de novos encontros. Despediram-se com a certeza de sempre. De que a história que escreveram nesta vida, cada capítulo que inscreveram nas areias, nas árvores, nos mares, nos ares, nas estradas, dentro e fora de todas as paredes, era maior do que eles e tinha vida própria. Estavam condenados à cumplicidade de terem protagonizado um sonho que se legitimou, de terem amado além do que o amor é capaz, coisa que ninguém faz impunemente.

Nada de "Até um dia, até talvez, até quem sabe..." Nada de esperas. Nada de exacerbações. Nada de saudades. Não se sente falta daquilo que se tem. Seriam o encontro de sempre, o encontro "do sempre".