"Por quê?"



"Por quê?" - Não faça desta pergunta uma arma, a vítima pode ser você!

13 de ago. de 2010

Amor não, tirania das emoções

Foi bom me reconciliar com Vera e vê-la refeita, alguns anos depois. Pelo menos, assim me pareceu. Em se tratando de humanos, nunca arrisco palpites definitivos. Cheguei a pensar que Vera nunca mais se libertaria daquele mal, que ela insistia em chamar de "mal de amor". Minha amiga nunca me perdoou por eu ter apontado sua "doença", foi mais cômodo se afastar. Mais cômodo para o seu próprio desespero.

Vera nunca tolerou ouvir de mim que aquilo que ela pensava ser amor não passava de ideia fixa, de uma obsessão, de um desequilíbrio que sua cegueira emocional não lhe permitia perceber. Sei que não nos cabe julgar ou diagnosticar os personagens de nosso afeto, até porque não somos donos da verdade. Mas, exatamente por serem pessoas "afetas ao afeto", acabamos emitindo opiniões na ânsia de vê-las libertas de dores e angústias que maltratam suas vidas.

O fato é que não suportava mais assitir àquele total estado de autodepreciação. Incomodava-me vê-la transformada em flagelo humano, vítima da tirania de uma paixão insaciável, que dela se apoderara, talvez como resultado de muitas fragmentações de sua mal-resolvida existência, de feridas antigas e não processadas, sabe-se lá - dentro de cada um há mais mistério do que pensa o outro... Queria vê-la novamente inteira, forte e poderosa. Era absurdo à minha compreensão que uma mulher tão inteligente e bela insistisse na sua total destruição.

Lembro-me bem de nossa última conversa, nós duas sentadas à mesa de um pequeno café-bar, numa tarde chuvosa:

Vera: - Está me condenando por amar alguém até as últimas consequências?

Eu: - Não, Vera. Até porque não creio que isso se chame amor. Um dia, quem sabe, haverá de entender que não é. Minha experiência diz que o amor é bom, que não é posse, que é sábio e grande o suficiente para deixar o outro partir, quando a relação se quebra. Minha experiência diz que aqueles que enchem a boca pra falar de amor e agem assim como você não passam de seres incapazes de amar a si próprios, o que, por sua vez, leva-os ao egoísmo dos sentidos e retira-lhes a capacidade dar amor a quem quer que seja. Amor bom pode até doer, mas dói em paz, com uma dor de alívio que tende a passar, e não com dores movidas pelas turbulências de uma psiquê fustigada ou pela animalidade de desejos primitivos.

Seus olhos me fulminaram de raiva, ela me odiava naquele momento, tenho certeza. Eu dizia tudo aquilo que ela não desejava ouvir.

Vera: - Você fala assim porque não tem coragem de mergulhar de cabeça na vida! Eu sei que ele voltará a me amar, é uma questão de tempo.

Eu: - Vera, minha querida, o que eu quero é você de volta. Será que não vê que sucumbiu no meio dessa "doença"? Por que não desce de seu orgulho e procura uma ajuda terapêutica? Faça isso por seus amigos, se não quiser fazer por si mesma; dê a si mesma uma nova chance. Desse jeito, até a convivência com seus amigos vai se tornar inviável, e você acabará isolada do mundo. E digo mais: tenho pena desse homem que encarna o objeto do seu desejo. Ele precisa partir e você não deixa. Castiga-o com chantagens emocionais baratas e ameaças de escândalos. Olhe pra você, criatura! Parece até que sente um prazer mórbido na rejeição. Não, Vera. Isso não e'normal, não é digno. As histórias têm seu tempo de duração, não passamos com elas quando elas passam. Temos de continuar. Aceite o fim, amiga. Aceite o fim, para que você recomece, para que, descansada de seu passado, possa criar histórias mais felizes.

Vera: - Belas amigas tenho eu, que só fazem me jogar ainda mais pra baixo! Para! Para! Para! Eu não quero ouvir mais nada! Quer saber? Melhor a gente se afastar, não preciso de amizades assim. O problema é meu e eu resolvo, não preciso de conselhos. Não vou procurar terapeuta nenhum porque não sou louca! Era só o que me faltava... Agora me chama de louca também... Eu não estou louca, tá ouvindo?

Eu: - Calma... Nunca achei que fosse louca, Vera. Só acho que seria bom consultar um psicólogo para se autoconhecer e para usar a própria energia a seu favor. Está certo, moça. Eu vou sumir, até porque não suporto mais vê-la nesse estado de autoflagelo.

Vera: - Melhor assim. Não me procure mais, por favor.

Eu: - Está bem, vou me afastar. Nosso diálogo ultimamente tem sido impossível. Mas... mesmo sob seu protesto, deixo aqui o telefone de um psicólogo amigo meu, que pode fazer muito por você, acredito. Se um dia mudar de ideia, procure-o! E não me odeie por isso.

Passaram-se 3 anos. Nunca mais estive com Vera até reencontrá-la recentemente. Para minha surpresa, deparei-me com uma outra mulher: autoconfiante, mais serena, mais madura, mais bonita. Depois de fazer um breve resumo de sua nova fase e de como se curara daquela "doença" (palavras dela) fatal, desculpou-se pelo injusto comportamento que teve comigo, agradeceu a indicação do terapeuta, que acabou consultando, e apresentou-me seu novo amor. Desta vez, tinha cara de amor de verdade, daqueles que dão prazer e crescimento, daqueles de fazer sorrir. Por quanto tempo o sorriso franco de Vera esteve trancado?! Não pude esconder meu contentamento, apesar de algumas mágoas residuais. Enfim, ela se reconstruíra. Amava e era amada, sem qualquer vestígio das emoções tirânicas.

Ser feliz, por que não? E, se ser feliz não for possível ainda, ser em paz com a própria essência. Já é um grande começo... A saúde do corpo e da alma é sempre uma questão de escolha. E ninguém disse aqui que todas as escolhas são fáceis.