"Por quê?"



"Por quê?" - Não faça desta pergunta uma arma, a vítima pode ser você!

13 de ago. de 2010

Uma certa noite adentro...

Quantos séculos duraria aquela noite? Quantas noites e quantos dias estariam contidos nela? Tantos, talvez, quanto o número das estrelas que conspiravam no céu. Ao primeiro balbucio da manhã, partiria para sempre daquele lugar, daquela história, do amor em erros. Mas tinha antes que atravessar aquela noite - o infinito e lancinante intervalo entre o fim e o recomeço.

Tudo já houvera sido dito, chorado, acertado. Todas as súplicas e todas as blasfêmias lançadas ao ar. Agora gritava o silêncio, agravando a dor das rupturas e a hemorragia das paixões que se esvaem. E havia ainda uma noite inteira a ser cumprida, sem o benefício do sono ou do repouso. Olharia mil vezes para aquele semblante pela última vez, mil últimas vezes. O olhar de adeus é assim, feito de hipérboles.

Ele permanecia sentado na sala, imóvel desde a última sílaba pronunciada, como se houvesse partido de si mesmo. Há muito ela  não reparava em seus traços. "Como é bela sua expressão melacólica!...", pensou. E como as últimas horas da presença dele lhe torturavam! Da varanda, amaldiçoava as estrelas que cintilavam na noite, indiferentes à sua dor. Queria que tivesse sido tudo diferente, que aquela essa jamais tivesse acontecido. Não era o amor que partia. Era a sua impossibilidade que chegara, trazendo a certeza do 'tarde demais'.
Contemplou-o mais uma vez. Desejou que a noite a detivesse ali, prendendo-a àquele triz de olhar. Por não aguentar o silêncio de morte, ligou o rádio. A ironia do acaso tocava "The Look of Love". Não mais sabia onde colocar as mãos, onde se acomodar. Tornara-se estrangeira naquele lugar, antes tão seu. A noite parecia não ter fim. Malas feitas esperavam pelo dia, perto da porta.

Se ele pronunciasse "Fica!", tudo estaria perdido. E, por algum momento, ela desejou que tudo se perdesse. Mas ele nada diria. O verbo vinha à garganta e retornava ao estômago, que se revolvia em dor.

Ao romper do dia, estariam libertos do cativeiro imaginário. Ela atravessaria a porta com o primeiro passo para uma nova vida. Mas aquela noite nunca terminaria, a despeito do romper de todos os dias.

E as estrelas teimavam em brilhar indiferentes no céu. E a canção terminara de tocar. E toda a cidade parecia dormir. E o amor se cansava de amar. Numa certa noite adentro....