"Por quê?"



"Por quê?" - Não faça desta pergunta uma arma, a vítima pode ser você!

13 de ago. de 2010

Desencontro marcado

Estava em cima da hora. Diante do espelho, ela tentava deixar sua imagem, na mais impecável desordem de detalhes. Cabelos cuidadosamente desarrumados, parte do ombro desnuda, jeans no estilo "trash", com estratégicos rasgos intencionais, tal qual os trajes de sua alma. O espelho refletia bem o seu modo assimétrico e rasgado de ser.

Enquanto se (des)arrumava com tanta riqueza de detalhes, pensava no que sentiria ao reencontrá-lo. A imaginação explorou todas as possibilidades. Tomada 1: poderiam retomar do ponto onde pararam , ignorar o intervalo dos anos, declarar amor eterno e viver juntos para toda a eternidade. Neste caso, correria o risco de ser feliz para sempre, e ser feliz para sempre era algo muito assustador. Não acreditava em felicidade eterna. Balela. Tomada 2: olharia dentro dos olhos dele, e espelhada neles estaria a certeza de que tudo passou. Nenhuma emoção, nenhuma reminiscência, nada a ver, dois estranhos perdidos no vazio de um pretérito imperfeito. Não, não suportaria tamanho esvaziamento amoroso. Seria admitir o tempo desperdiçado. Tomada 3: Ficariam ambos sem saber o que dizer, tentando uma comunicação imprecisa, através de subtextos, que poderiam ser indevidamente interpretados. Aí correria o risco de ficar tentada a novamente acreditar, com base em suposições, forçando as mensagens veladas a tomarem a forma exata de seus desejos. Outra fria! Nem pensar.

Entre o espelho e o corpo, mais tantas outras tomadas de cenas imaginárias se sucederam. A cada uma delas, sofria, angustiava-se, extasiava-se, viajava entre infernos e céus. Estava atrasada e exausta, já mesmo antes de sair. Precisava abandonar o espelho e encarar a vida. Esperara tanto por este encontro, e só agora, quando ele finalmente estava prestes a acontecer, tinha idéia do peso do tempo que se passou. Hora de agir. Pegou o telefone e ligou para o celular dele, provavelmente já à sua espera no local combinado:

- Alô, estou ligando pra dizer que não posso. Não, não posso ir. Estou exausta. Melhor não... Perdoe-me por isto e odeie-me, se for o caso. Poderia inventar mil desculpas para não te encontrar, mas a única verdade é que estou exausta. Odeie-me por isto, se quiser. E fique com meu beijo imaginário!

E era a mais pura verdade. A exploração mental de todas as possibilidades de ser levaram-na à total exaustão. Nenhuma forma de encontro poderia, naquele momento, superar as hipérboles do imaginário. Nem no bem, nem no mal.

Pôs-se a desconstruir a imagem meticulosamente produzida, peça por peça. Nua, deixou o corpo tombar sobre a cama, como houvesse matado leões na arena da existência.